Brasil: crises, caos, colapso e a bomba relógio da implosão social
Por Luiz Flávio Gomes
Quem está percebendo a profundidade do caos que os
donos do poder (classes dominantes e subdominantes: financeiras,
econômicas, políticas, governamentais, administrativas e sociais)
impuseram ao Brasil, seguramente não vai dormir tranquilo quando conhecer a história trágica da Ilha de Páscoa, que se destruiu completamente.
1. Tony Judt (um dos mais importantes pensadores do século XX), no seu livro Pensar el siglo XX, escreveu: “o desafio da nossa geração não é escolher entre o capitalismo e o comunismo, entre o final da história (Fukuyama) ou o retorno da história, sim, entre a política de coesão social baseada em propósitos coletivos e a erosão da sociedade mediante a política do medo” (sublinhei). Coesão ou erosão! As inúmeras crises (econômica, política, fiscal, hídrica, institucional) nos levaram para o caos. Do caos ao colapso é um passo. A bomba relógio da implosão social é a consequência de tudo isso. Vale a pena recordar o que ocorreu com a Ilha polinésia de Páscoa, narrada pelo biólogo Jared Diamond no seu livro Colapso
(a Ilha está situada no Oceano Pacífico a 3,7 mil kms do Chile,
pertencendo à região de Valparaíso): ela constitui um dos mais chocantes
alertas para o planeta: um território-nação que vive em crises contínuas chega rapidamente ao caos e do caos se passa prontamente ao colapso. A implosão social é uma questão de tempo.
2.
Incontáveis humanos e muitas nações, ao destruir impiedosamente seu
meio-ambiente, seus rios e suas águas, sua gente e, sobretudo, suas
instituições (políticas, econômicas, jurídicas e sociais), estão
praticando (com frequência sem ter consciência disso) verdadeiros suicídios. Vários países, da forma irresponsável como estão sendo governados, constituem uma monstruosa bomba relógio: ou muda seus rumos ou é só uma questão de tempo para a sua implosão.
3.
A condição primeira para a destruição de um território ou de uma nação,
evidentemente, é que ele (ou ela) conte com muitas florestas e águas
abundantes, frutas apetitosas e ar puro; terras férteis onde se
plantando tudo dá (assim Pero Vaz de Caminha descreveu o Brasil no dia 1/5/1500). Das águas abundantes até se chegar às agudas crises hídrica, econômica, política etc., há
toda uma história de destruição no meio. Estamos copiando o que fizeram
na Ilha de Páscoa. O lugar é famoso pelas suas estátuas de pedras
(chamadas moais), enormes e pesadas. Quando foi descoberta[1]
era uma terra fulgurante, coberta de florestas, rica em alimentos da
terra, do mar e do ar. Chegou a contar com 12 clãs (de origem oriental),
que viviam pacificamente.
4. O eixo do discurso de Diamond está
centrado na questão do uso dos recursos naturais [e humanos]
disponíveis. Ele não entra em temas sociais (em razão da sua formação
científica). Mas o paralelo que podemos fazer entre os excessos que estamos praticando no campo dos recursos naturais (a falta de água em várias regiões do país constitui sintoma eloquente) com a desgovernança política, econômica e social
é quase que inevitável. Estamos chegando ao estágio da exaustão, do
esgotamento. Descuidamos do chamado “desenvolvimento sustentável”. O
colapso dos recursos naturais e das instituições levam o humano e as
sociedades (inevitavelmente) ao fracasso.
5. Quando os europeus
chegaram à Ilha (1722), a terra já estava completamente arrasada, com
suas florestas derrubadas e somente sobrava a infecundidade. Terra tão
infértil quanto um monge virtuoso. Poucas pessoas sobreviveram (em 2012,
apenas 5 mil habitavam a Ilha). A desnutrição, ao longo do segundo
milênio, passou a ser norma geral, sendo evidente a degeneração
corporal, genética e estética do povo. Mas existe relação entre as
grandes estátuas de pedra e a desolação circundante? Pode uma sociedade destruir a si própria e seu futuro, por meio da imprevidência? A resposta é positiva (conforme conclusão de Jared Diamond).
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6. Todo princípio da destruição coletiva de uma sociedade começa com a de florestamento (o Brasil, como sabemos, nesse item, é um dos campeões mundiais). Não existe incêndio que começa grande. As pequenas desmatações, quando somadas, consubstanciam grandes devastações.
Com a dissipação dos principais recursos naturais que dão sustentação
para a vida humana, a disputa por água, ar puro, alimentos, espaços
sãos, começa a gerar conflitos entre os habitantes. A floresta, na Ilha
de Páscoa, tinha muitos pássaros, frutos e caças, tinha árvores que
permitiam a construção de canoas, usadas para a pesca, inclusive em
águas profundas. São as florestas que protegem as áreas plantadas dos
ventos e das tempestades. Tudo isso foi completamente desconsiderado
pelos moradores da Ilha, que passaram a usar enormes troncos de árvores
para transportar as imensas pedras e convertê-las em estátuas gigantes.
7. A penúria de alimentos, de água potável, de áreas sadias e férteis incentivam a rivalidade e a guerra.
Quanto mais escassez mais cobiça e quanto mais cobiça mais disputas.
Foi precisamente o que ocorreu na citada Ilha. Seus habitantes, diante
da absoluta carência alimentar, chegou ao estágio da antropofagia.[2] Estabeleceu-se a guerra hobbesiana de todos contra todos (voltou-se ao estado de natureza descrito por Hobbes), que se acelerava a cada dia. Motus in fine velocior: o tempo corre mais rápido quando se está diante do término de um período histórico.
Não imaginavam os nativos da Ilha que o fim de um ciclo histórico
começa com a desertificação, que pode ser natural ou imposta pelo humano
(ou ambas ao mesmo tempo, como hoje parece ser o caso do Brasil que deu
errado).
8. Quando tudo parece terminado, constituindo a
violência a forma comum de se resolver os conflitos, prontamente os
sobreviventes procuram uma rota de fuga. Todos desejam
sair do inferno criado pelas próprias mãos (pois com as próprias mãos
criamos tecnologias, artes, livros e também muitas injustiças,
linchamentos e assassinatos). Em situações extremas busca-se abrigo em
algum paraíso. Mas no caso da ilha polinésia já não havia árvore para se
construir barcos salvadores. Tudo foi consumido para erigir as
gigantescas estátuas de pedras (moais). Páscoa, como se vê, é um aviso muito preocupante. Fala de todos nós, em pleno século XXI (Zagrebelsky).
9.
Diamond escreveu: “Os paralelos que podemos traçar entre a Ilha de
Páscoa e o mundo moderno são nitidamente assustadores. Em virtude da
globalização [grandemente desregrada], do comércio internacional
[agressivo e frequentemente injusto], das tecnologias reativas, da
internet [ainda muito mal usada], todos os Países sobre a face da terra
compartilham as mesmas fontes de recursos e interagem como os 12 clãs da
Ilha de Páscoa, perdida no imenso Pacífico como a terra está se
perdendo no espaço”.[3]
10. O que ocorreu efetivamente com a Ilha de Páscoa? Em poucas palavras, o seguinte[4]: “para
satisfazer os apetites de hoje (do imediato), não se pensou nas
necessidades de amanhã. Cada geração se comportou extrativamente como se
fosse a última, tratando os recursos de que dispunha como sua
propriedade exclusiva, que se pode usar e abusar. Interpretaram mal a frase de Thomas Jefferson, um dos fundadores da República norte-americana, que dizia: “The Earth belongs always to the living generation” (a
Terra pertence à geração que está viva). Mas Jefferson afirmou isso
para libertar sua geração dos débitos com o passado. Os moradores de
Páscoa agiram com liberdade com relação aos débitos futuros. E desse
modo procederam para destruir uma república, não para fundá-la.
Herder sublinhou que “cada tempo e cada lugar vive somente para si
mesmo”. Zagrebelsky o parafraseou afirmando que “cada tempo e cada lugar
(particularmente hoje) vive e morre para si mesmo e por si mesmo” (sublinhei). Hoje perguntamos “que País é este”. O risco é de um dia perguntarmos: que País foi este?
[1] A síntese que segue é de ZAGREBELSKY, Gustavo. Contro la ditadura del presente. Roma: Editori Laterza-la Repubblica, 2014, p. 3 e ss.
[2] A síntese que segue é de ZAGREBELSKY, Gustavo. Contro la ditadura del presente. Roma: Editori Laterza-la Repubblica, 2014, p. 4.
[3] Citado por ZAGREBELSKY, Gustavo. Contro la ditadura del presente. Roma: Editori Laterza-la Repubblica, 2014, p. 5.
Cf. ZAGREBELSKY, Gustavo. Contro la ditadura del presente. Roma: Editori Laterza-la Repubblica, 2014, p. 5.