terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Crônica: chuva de lágrimas



Uma vida normal me foi negada pela inconsequente falta de maturidade de meus pais que me puseram no mundo, sem absolutamente nada. Nem mesmo um teto para morar, vivíamos então de favores dos transeuntes que passavam e jogavam algumas moedas. Minha mãe as guardava para comprar leite e pão, eu mamava no peito sugando sem piedade o resto de leite fraco que minha pobre mãe ainda tinha.Lembro-me como se fosse hoje: a chuva caía torrencialmente, minha mãe, coitada, tentava acolher seus sete filhos no seu abraço quando uma senhora muito magra falou: venham comigo.
Minha mãe arrastou sua "ninhada", andamos por algum tempo e, quando vi uma porteira, imediatamente, apesar dos meus quatros anos, corri e subi nela e sorria muito.
Adentramos a uma casa pequena, mas muito limpa e mobiliada. Joaquina era a dona da casa que não demorou muito tempo levou roupas toalhas e algumas coisas para comer e disse: fiquem aqui até amanhã, depois a vida de vocês irá mudar. Minha irmã mais velha tinha treze anos, uma linda mocinha que ajudava mamãe nos afazeres de casa.
Meu pai? Aquele safado "putanheiro" e vagabundo? morreu como um anjo. Não nos fez nenhuma falta( Assim dizia minha mãe).
Eu com meus cinco anos sofria os soluços de mamãe de saudade do seu amor, apesar de ser um "traste" ela o amou muito.
Morávamos na chácara da dona Joaquina, mamãe cozinhava para ela e nós catávamos gravetos para acender o fogo, nadávamos no rio, aguávamos a horta, tratávamos os porcos, depois tomávamos banho para ir à escola.E o tempo passou...
Uma vidinha até boa, pois a patroa comprava até brinquedos para nós, enfim éramos felizes.
De repente uma nuvem escura pairou sobre nossa família, mamãe não acordou, estava morta, talvez a saudade de papai a fez querer partir e nós?
Saí correndo até uma grande poça d'água e como chorei. Chovia e minhas lágrimas se misturavam com as grossas gotas d'águas e ali fiquei por muito tempo, o mundo parecia desabar sobre minha cabeça.
Fomos doadas cada uma para uma família: sete irmãs, cada uma seguiu um rumo diferente até que um dia resolvi, depois dos meus 25 anos procurar minhas irmãs. Desculpem esqueci de dizer meu nome: Sofia.
O tempo passou, mas todas as reencontrei. Era Natal e festejamos juntas o nascimento de uma nova vida. 

Lua Singular

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Driblando a morte




Quando a morte vier me visitar a estarei esperando com um chazinho e deliciosos biscoitos, pedindo a ela um tempo para tomar banho, colocar minha melhor roupa, maquiar meu rosto e antes de colarem a boca e olhos ligarei a televisão e nela colocarei um cd da minha vida que foi intensa e cheia de glamour.
Começou então o filme e, depois de duas horas não tinha passado nem a metade da minha infância e a morte dormiu, acordei-a com um toque suave na mão, ela esbaforida acordou e me disse: amanhã eu volto, pois o seu filme me fez dormir e tenho mais compromissos para hoje.Desta vez escapei.
Sabia que no outro dia ela voltaria, então, fui tentar consertar algumas coisas que fiz de errado e pedir perdão a quem magoei, tenho certeza que tudo será muito rápido.
Eu e meu velho fomos no outro dia almoçar num restaurante pertinho de casa e quando estávamos saboreando uma deliciosa picanha, quem aparece? A morte.
Sorri para ela e pedi que se sentasse a mesa para que juntos degustássemos os soberbos pratos. Pedi duas garrafas de vinho do Porto e entreguei a morte: beba, é uma delícia...E vocês não bebem nada? Aí eu respondi com muito amor: já bebemos das delícias do amor e já que tenho que ir nada melhor que brindar uma morte tão educada como você.
A morte ficou encantada conosco e perguntou: quantos anos vocês têm?. Respondemos simultaneamente 62 anos. Pôxa vocês são muitos jovens ainda.
Adeus, voltarei daqui a 20 anos.

Lua Singular

sábado, 31 de janeiro de 2015

Saudades dos teus beijos( ficção)




Saudades dos teus beijos no nosso jardim, eles tinham o sabor de alecrim, teu cheiro impregnou-o todo e, meu fraco coração chora o gosto na boca dos beijos apaixonados.
Não sei o porquê, com tantos rapazes a me querer eu fui me apaixonar justo por você, homem ingrato que sorri a minha dor.
Tento conversar comigo mesma: será que valeu a pena esse amor que está me definhando dia após dia? Nisso passa um garoto e condoído com minha tristeza diz: moça, não chore, me dê um pedaço de pão? Eu imediatamente saio do meu devaneio olho o garoto e digo: sai garoto...não está vendo que estou chorando de amor?
Como ele persistia em ficar, levantei a cabeça e ia deferi-lhe uns tapas quando o garoto virou um lindo príncipe. Eu fiquei deslumbrada, esquecendo, nesse momento a saudade dos beijos do meu amor e me apaixonei pelo príncipe e, quando fui me levantar percebi que estava grudada no chão e assento, então comecei a chorar.
O príncipe olhou para mim e disse: você será para sempre uma linda estátua de fonte de águas cristalinas.
Esse será o seu castigo...

Lua Singular

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Crônica: A cidade muda



A vinte anos saí da minha pequena cidade para tentar uma vida melhor numa metrópole. Deixei para trás meus pais e quatro irmãos. No começo ainda escrevia cartas, depois o tempo e a ganância tomou conta de mim e perdi o endereço. Minha mãe era analfabeta e eram os vizinhos quem liam minhas cartas. Ela ficava toda feliz e ansiosa por saber que um dia prometi vir buscá-los para viverem uma vida mais digna.
O tempo passou, fiquei rico, muito trabalho e me esqueci completamente minhas raízes. Aí,chorei de remorso e resolvi voltar a minha pequena cidade onde enterrei na minha prepotência minha família que só queria nos ver juntos.
Uma dor forte "bateu" no meu coração e o remorso corroía meus sonhos, era raro o dia que conseguia dormir, precisava, então de drogas para relaxar.
Um dia resolvi voltar à minha cidadezinha e, com meu motorista dirigindo meu carrão fui visitar minha família. Foram horas de viagem até que chegamos e na entrada da cidade vimos uma placa muito grande e nela escrita: cidade muda. Fiquei intrigado, pois esse não era o nome da minha cidadezinha, mas adentramos a ela. Meus olhos caíam lágrimas quentes e um nó ardia minha garganta: na cidade não morava ninguém, houve uma praga e muitos morreram e outros fugiram.
Sabia onde ficava a minha antiga casa, quando cheguei lá estremeci, o barraco estava quase todo no chão...Ah! Como chorei.
Fui um filho ingrato e hoje sofro a dor da saudade da minha família que coloquei em segundo plano, o dinheiro me cegou.
Quando estava já de partida, pois na cidade não havia ninguém, alguém gritou meu nome: Lucas, Lucas...O motorista parou o carro e vi um jovem semelhante a minha imagem.
Quis descer do carro, sabia que era meu irmão e ele não deixou: pegamos uma doença contagiosa e só eu fiquei e estou morrendo aqui, perdendo a cada dia pedaços dos meus sonhos, mas eu consegui ser pintor e vou lhe entregar o quadro que pintei da nossa mãe, pegue o quadro  com uma luva e depois o leve para desinfetar...Siga em frente, não olhe pra trás e a primeira casa toda arrebentada era a nossa casa, pegue o quadro para nunca esquecer que teve uma família que o amou mesmo estando ausente e sem notícias.
Adentrei a casa peguei o quadro que estava pendurado na parede e parti aos prantos...
O dinheiro traz luxo, mas hoje não consegue trazer de volta minha família que me amou e eu vou me encontrar com ela de um modo terrível: o remorso. 
Como era linda e sofrível minha mãezinha....

Johannes Verneer

Lua Singular