Era exatamente meia noite, na pequena igreja as luzes se
ascenderam e os ponteiros cruzavam-se. E eu? Nessa tumba gelada, sozinha, numa
força maquiavélica, levantei a tampa e ela se abriu, olhei o meu corpo antes
lindo, desejado(...) hoje um esqueleto sem nenhum pedaço de carne a preenchê-lo que range a cada passo que dou.
De repente ouço um outro fremir de ossos.- Quem será? Meus ossos
tremiam de medo, poderia ser de um estuprador. O que farei se não tenho ninguém
para me defender? Os passos continuavam mais perto, tal era o bater dos meus
ossos de medo.
Senti uma gélida mão nos meus ombros e voltei-me para ver quem
seria, quase revivi de medo. Não era um estuprador e sim meu marido que
morrera antes de mim. Fiquei pasma, então lhe disse:
- Até aqui você não me da sossego? Morreu de tanta vadiagem nos
bordéis da vida, ainda bem que agora não tenho que lavar aquelas ceroulas
nojentas que jogava no tanque. Ah! se você soubesse, quantas delas enterrei no
fundo do quintal. Lembra que quis me bater por não ter ceroula para sair, corri
de você; peguei o machado que estava atrás da porta e abri sua cabeça ao meio,
nenhum gemido você deu(...) foi o seu fim. Arrastei seu corpo num pequeno
matagal, não deixei nenhum vestígio e saí pela vila procurando por você.
Você mereceu seu bandido! Gritei por você e a vizinhança veio ao meu
socorro. Há!Há! Debulhei tantas lágrimas de crocodilos que um amigo seu, o
João, lembra-se dele? Veio me consolar. Coloquei você nessa tumba gelada e, não
demorou muito tempo casei-me com ele. Aquilo sim que era homem...sedutor ,
carinhoso e rico.
Infelizmente como nem tudo são flores fui acometida de uma
tuberculose, João internou-me num hospital e só saí de lá para morar aqui.
Enfim, olhando pra você com tanta raiva, começo a agredi-lo e
nossos ossos, com a ventania da tarde, voaram e caíram na minha tumba! Isso que
é sofrível: ter que aguentá-lo apertadinho a mim para toda a eternidade.
Imagem da Teka