Nesse casebre com uma única porta, a da frente morava uma
família bem grande: os pais e seus treze filhos. A mãe era linda e gostava de
grandes noites de amor, apagava a lamparina e cada ano nascia um filho.
Ela era crocheteira, ele um boêmio vagabundo lindo e à noite
cruzava suas pernas no bordeaux e tocava lindas canções no seu violão, ganhava
alguns trocados e o estabelecimento deixava ele levar para o quarto a mais bela
rapariga.
Sua mulher sabia, mas apesar do ciúmes ficou doente e não teve
outra opção, a não ser aceitar, ele era carinhoso com os filhos e sua mulher.
Era ótima crocheteira, fazia lindos trabalhos, afinal era preciso, pois eram muitas
bocas para comer.
As crianças cresciam plantavam no fundo do quintal: banana, mandioca,
verduras à vontade. Havia jabuticabeira, bananeira, laranjeira. O pai e os
filhos mais velhos plantavam pinhão e aos domingos pela manhã iam vender nas
feiras da cidade.
O mais velho dos filhos era uma mocinha que aprendeu com sua mãe a
arte de crochetar, fazia sapatinhos e meias com cinco agulhas, usava linha, lã:
sempre restos que ganhava na sua cidade.
Apesar dos defeitos do pai, ele era enérgico com a moral e o respeito
humano e assim desses filhos alguns morreram e pro final eram nove os que
ficaram tiveram uma educação familiar rígida.
Agora vocês me perguntam: se na casa só tinha uma porta, à da
frente como eles faziam suas necessidades fisiológicas? Ficaram curiosos? Na
latrina durante o dia e em e penicos à noite, levando a lamparina. Que vida!
A mãe sempre dizia aos seus filhos: por mais pobres que sejamos
nunca roubem, sejam educados e nunca sentem no chão, isso porque no casebre de
terra batida não havia cadeiras, sentavam em grossos tocos que o pai e os
filhos mais velhos iam cortar mata adentro.
Os filhos cresceram, alguns estudaram com bolsas: esse tipo de
bolsa era o seguinte: no quarto ano havia uma prova para ganhar um cheque do
Estado que ficava na escola para a compra de materiais escolares, para o curso
ginasial.
Enfim, trabalhando e estudando com bolsas, pois todos eram muito
inteligentes, cada qual galgou sua profissão. Todos faziam até o ensino médio
de hoje; mas arrumaram bons empregos, alguns foram para a capital, fizeram
Faculdades Públicas e outros trabalhavam na própria cidade, outros foram para
outros Estados, se casaram levando consigo seus pais que logo morreram.
Aí que digo apesar de não terem a porta do fundo tinham o que há
de mais belo: a honradez deixada pelos seus pais, a melhor herança.
À tarde era aquela discussão quem tomava banho em uma bacia perto
da latrina. Isso que é vida! Aposto que os filhos têm saudades dos tempos de
outrora.