Era 1950. Desde a mais tenra idade, Glória era a sensação do Grupo Escolar, com
suas pernas grossas, menina linda da cor de jambo, olhos da cor das matas
e um sorriso maroto de quem não quer nada ,seu rebolado forçado para chamar a
atenção dos garotos da escola era um delírio safado.
Cursava a quarta série do curso primário e, na hora do
recreio, enquanto todos lanchavam ou tomavam aquela deliciosa sopa, cadê
Glória? Ninguém sabia do seu paradeiro e ao dar o sinal, toda suada corria à
lavar seu rosto no "cochinho" e, ao seu lado perguntei:
- Onde estavas Glória? Nada respondia.
Andávamos em fila sem conversarmos até a sala de aula. Cada
uma, em silêncio profundo, até adentrarmos a sala de aula e ocupar nossas
carteiras. Engraçadas eram aquelas carteiras grudadas para dois alunos e,
como nós éramos as mais altas da sala, sentávamos atrás na primeira fileira.
Glória era menos inteligente do que eu e, nas provas, como
gostava muito dela, ela copiava quase minha prova inteira. Nós tirávamos as
melhores notas.
Um dia, logo após entrarmos à sala de aula e, ao sentarmos
Glória amarelou.
- O que foi perguntei a ela? - Acho que fiz xixi nas
calcinhas.
Levantei a mão e fui conversar com a professora, explicando
o motivo do constrangimento de Glória e, a professora pediu que eu fosse atrás
dela, para que ninguém desconfiasse; direto para o banheiro.
Não era xixi, não, a Glória com apenas dez anos e alguns
meses estava de "paquete", era esse nome que se usava quando a
jovenzinha ficava mocinha. Ela chorou.
Sua mãe , toda atenciosa, levou-a ao medico e ao examiná-la
o médico percebeu que não era "paquete", a menina tinha feito o ato
sexual com o mocinho da escola, no banheiro.
A menina ficou na sala de espera e entraram os pais para
conversarem com o médico; ele explicou o que havia ocorrido e duas lágrimas de
sofrimento rolaram do rosto de sua mãe, que não pode demonstrar ao pai.
De volta a casa, ninguém falou nada, o dia foi normal e quando a
mocinha foi beijar os pais para ir dormir, ele se esquivaram. Então percebeu
que no outro dia qual seria o seu destino, pois na época uma mocinha que se
"perdia", ia direto para a "Zona", sabendo disso, trancou a
porta do quarto com a tramela, arrumou algumas roupas numa horrível mala preta,
pulou a janela e sumiu...Ninguém perguntou mais dela
Passaram-se trinta anos, estava eu com meus filhos
brincando num parque, quando percebi que uns olhos azulados não paravam de me
olhar, fiquei intrigada; levantei-me e a reconheci.
- É a Glória? Sim sou eu mesma, fugi de casa porque
"zona" não era lugar para mim, passei na casa de Jonas, aquele garoto
da escola e, sua mãe me recolheu. Mudamos para bem longe e aos quinze anos nos
casamos. Jonas é um ótimo marido e temos filhos sadios.
Chorei de saudades que
tive da minha amiga, que tinha no corpo da chama da paixão incontrolável e,
quase perdeu sua vida num bordeaux.
Hoje, os tempos são outros, os pais antes machões, hoje são mais
humanos...
Dorli da Silva Ramos