quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Paixão à moda antiga...





  Era 1950. Desde a mais tenra idade, Glória era a sensação do Grupo Escolar, com suas pernas grossas,  menina linda da cor de jambo, olhos da cor das matas e um sorriso maroto de quem não quer nada ,seu rebolado forçado para chamar a atenção dos garotos da escola era um delírio safado.
  Cursava a quarta série do curso primário e, na hora do recreio, enquanto todos lanchavam ou tomavam aquela deliciosa sopa, cadê Glória? Ninguém sabia do seu paradeiro e ao dar o sinal, toda suada corria à lavar seu rosto no "cochinho" e, ao seu lado perguntei:
  - Onde estavas Glória? Nada respondia.

  Andávamos em fila sem conversarmos até a sala de aula. Cada uma, em silêncio profundo, até adentrarmos a sala de aula e ocupar nossas carteiras. Engraçadas eram aquelas carteiras grudadas para dois alunos  e, como nós éramos as mais altas da sala, sentávamos atrás na primeira fileira.
  Glória era menos inteligente do que eu e, nas provas, como gostava muito dela, ela copiava quase minha prova inteira. Nós tirávamos as melhores notas.

  Um dia, logo após entrarmos à sala de aula e, ao sentarmos Glória amarelou.
  - O que foi perguntei a ela? - Acho que fiz xixi nas calcinhas.
  Levantei a mão e fui conversar com a professora, explicando o motivo do constrangimento de Glória e, a professora pediu que eu fosse atrás dela, para que ninguém desconfiasse; direto para o banheiro.
  Não era xixi, não, a Glória com apenas dez anos e alguns meses estava de "paquete", era esse nome que se usava quando a jovenzinha ficava mocinha. Ela chorou.

 Sua mãe , toda atenciosa, levou-a ao medico e ao examiná-la o médico percebeu que não era "paquete", a menina tinha feito o ato sexual com o mocinho da escola, no banheiro.
  A menina ficou na sala de espera e entraram os pais para conversarem com o médico; ele explicou o que havia ocorrido e duas lágrimas de sofrimento rolaram do rosto de sua mãe, que não pode demonstrar ao pai.

De volta a casa, ninguém falou nada, o dia foi normal e quando a mocinha foi beijar os pais para ir dormir, ele se esquivaram. Então percebeu que no outro dia qual seria o seu destino, pois na época uma mocinha que se "perdia", ia direto para a "Zona", sabendo disso, trancou a porta do quarto com a tramela, arrumou algumas roupas numa horrível mala preta, pulou a janela e sumiu...Ninguém perguntou mais dela

  Passaram-se trinta anos, estava eu com meus filhos brincando num parque, quando percebi que uns olhos azulados não paravam de me olhar, fiquei intrigada; levantei-me e a reconheci.
  - É a Glória? Sim sou eu mesma, fugi de casa porque "zona" não era lugar para mim, passei na casa de Jonas, aquele garoto da escola e, sua mãe me recolheu. Mudamos para bem longe e aos quinze anos nos casamos. Jonas é um ótimo marido e temos filhos sadios.

  Chorei de saudades que tive da minha amiga, que tinha no corpo da chama da paixão incontrolável e, quase perdeu sua vida num bordeaux.
  Hoje, os tempos são outros, os pais antes machões, hoje são mais humanos...


Dorli da Silva Ramos
  

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Somos vidros com vidas...






Somos grãozinhos de areias e, não longe, grandes pás nos jogam em caminhões para nos levarem a fábricas de vidro sem nenhum dó, eu, particularmente sou o pontinho menor que se encontra numa praia ou uma duna deserta ou em solos arenosos. Ao chegarmos à fábrica o sofrimento começa, nos separam e vamos para a fundição. Meu Deus! Penso. Vão nos derreter e sentindo um calor insuportável, todos os grãos chegam a desmaiar.

Pronto, tudo consumado...Nos tornamos lindas taças de vidros para enfeitar as festas, principalmente as de finais de ano e nos  enchem de vinho, outros de champagne francês, enfim cada um tem o seu gosto.

Algumas taças, como nós somos de sorte, moramos numa mansão de bordeaux, onde há muitas mulheres bonitas e homens elegantes, todos perfumados e aos pares em mesas, nos pegam, nos cheiram, nos  beijam para degustarem vagarosamente até o seus corpos esquentarem, depois nos deixam abandonadas nas mesas e saem para concretizarem suas paixões, ficamos enciumadas, mas inebriadas pois beijamos muitos lábios quentes e coloridos.

Bebemos as ilusões dos noivos nas festas de casamentos, quantas mentiras eles prometem e, depois de alguns anos bebendo o amor, nos abandonam num cantinho qualquer à beber o fel da separação. Só não há briga na separação das taças de vidros, mas nós duas acostumadas a bebermos desse amor, nos estilhaçam no  chão fazendo de nós cacos que serão jogados em lixões. Foram as nossas mortes.

Mas, sempre haverá um consolo para os vidros em geral, pois eles não se transformam só em taças e sim em: copos grandes, pequenos, enfeites  suntuosos, aparelhos domésticos, enfim continuamos com nossa descendência a brilhar o amor, a festa de final de ano o belo reveillon.

Portanto, a vida dos vidros não é muito diferente das dos humanos, a única diferença é se um copo de vidro quebrar, outro no lugar surgirá e não é assim que acontece com os humanos


Minha simples participação a convite da Cris Henrique: 
Partindo de um copo de vidro

http://www.oquemeucoracaodiz.blogspot.com.br


Dorli da Silva Ramos


O gosto amargo do vinho




 Na sala esperava alguém para comigo brindar a passagem do ano de 2012. Como era de costume , ela vinha toda de branco, enchia as duas taças de vinho. 
Olhava o relógio, era exatamente meia noite, os ponteiros cruzavam e o cuco transbordava de alegria à respirar o ano que iniciava e, num ímpeto a campainha tocou. Era ela... saí a passos largos e ao abrir a porta, uma decepção: um mensageiro com uma carta, ao abri-la desfaleci, pois nela estava escrito: cansei da sua taça de vidro e de seu vinho tinto, estou com outro numa mansão brindando a chegada de 2013  e, nesse exato momento degusto do champagne francês em intervalos com cerejas e beijos apaixonados.Enlouqueci.

 Vagarosamente caminhei até a mesa, olhei as taças que estavam numa cristaleira artesanal, peguei uma , lavei-a e coloquei encima de uma simples mesa. Sentei-me, enchi a taça com um vinho tinto barato, da cor do sangue, dar cor do ódio e, num súbito fechei uma das mãos, dei um soco na taça, devo ter desfalecido.

 Num hospital particular, percebia estar e via vultos, recolhendo cacos de vidro do meu corpo. Suei de medo. Será que estou morrendo? Ouvia uns murmúrios dentro do meu corpo e pude ver cacos de vidro brigando para sair primeiro de dentro do meu corpo, foi quando ouvi um caco dizer: Como os humanos fedem por dentro, se eles sentissem seus odores fétidos, não seriam tão orgulhosos. E um a um com pressa, chegava perto das pinças para serem retirados, foi aí que ouvi alguém dizer: esse está limpo. 
Acordei da anestesia e vi meu irmão, que por sorte era muito rico, veio ao meu socorro.

 Conversou baixinho comigo e me deu um conselho: mano mulher nenhuma merece tal sacrifício o qual  submeteu, pois a vadia da sua namorada era minha amante e vi quando ela escreveu o bilhete deu para eu ler e riu da sua desgraça. Ela não sabia que éramos irmãos.De repente ouvi uns gemidos. Era ela! A vadia que eu amava, quero matá-la... O irmão sorriu e disse:
 - Não vale a pena, mulheres como estas merecem sofrer mendigando uns tostões para sobreviverem, olhou para mim e sorriu. Senti firmeza nas sua palavras, nisso estava morrendo de sede.
 A enfermeira, toda de branco, trouxe-me numa bandeja um copo com água cristalina. 
- Não, disse à enfermeira, de hoje em diante, só tomo bebida em caneca de alumínio.


Dorli da Silva Ramos

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Procurando um amor





Nesse lugar sombrio e assustador
Onde árvores sonham com o nada
É nesse jardim opaco onde eu vivo
Impregnando-me de tristeza e solidão

Estou só, à procura de alguém especial
Que tenha um cavalo branco com asas
Para conhecer todos os reinos do mundo
Quem sabe pelo cavaleiro me apaixonar

Nesse instante ouvi um cavalgar diferente
Montado num cavalo branco, eu deslumbrei
Ao abordar-me disse estar a minha procura
Era um jovem lindo com os olhos cor de mel

Colocou-me no cavalo e  asas se abriram
Senti medo, segurei-me em seu corpo ardente
Debrucei minha cabeça nos seus ombros fortes
Descemos à noite numa relva e nos amamos

Dorli Silva Ramos