Pinturas de Luciana Mariano
Lembro quando ouvia o barulho da máquina de costura da minha
mãe, eu ficava a pegar os pequenos retalhos que não seriam mais usados para
fazer bonequinhas: saía uma mais linda do que a outra. Mamãe trabalhava tanto
que por muitas vezes, à noite a ouvia chorar baixinho, imagino ser de solidão e
cansaço, pois éramos agora só em duas: mamãe e eu . Nosso pai morrera havia um
ano de atrofia muscular e infarto.
Como fazia bicos não tinha nenhum rendimento fixo, ficamos só
com o barraco na favela e o trabalho na máquina da mamãe. Numa noite chuvosa
ouvi minha mãe chorar, corri até a porta do quarto que se encontrava encostada:
empurrei vagarosamente e a cena que vi foi muito triste: A minha mãe conversava com papai como se ele estivesse ali. Abracei-a e chorei.
E a vida continuou...Comecei a vender as minhas bonequinhas
pelas ruas da cidade e olha que dava um bom dinheirinho. Já com o dinheiro na
mão comprava o que faltava em casa.
Certo dia, um homem moreno me parou na rua e queria saber o que
eu vendia naquelas cestas; mostrei e ele espantado disse: menina você tem um
talento incrível, quero conversar com sua mãe.
No outro dia, eu e minha mãe descemos a favela; eu com minhas cestas
e o homem, bem vestido, nos esperava. Queria falar com minha mãe às sós;
afastei-me um pouco, depois de meia hora subimos o morro, só nós duas.
Já em casa mamãe explicou que o homem se chamava Carlos, tinha
quarenta anos e uma fábrica de costura e uma pequena loja. Ofereceu-nos
serviço. Fiquei toda feliz: meu primeiro emprego.
Minha mãe trabalhava oito horas costurando e eu fazia as bonecas
com os retalhos, e agora havia muitos retalhos. O dinheiro da venda das
bonequinhas ficava todo para mim e minha mãe tinha carteira assinada e um
bom salário.
O dono da fábrica apaixonou-se pela minha mãe
e não demorou muito tempo eles se casaram e eu fui a noivinha que levei as
alianças.
À partir daí, nossa vida mudou, minha mãe ficava em casa, eu
estudava em uma boa escola e ensinava minhas amiguinhas a fazer bonequinhas de
pano.
Hoje, somos uma família feliz, mas nada faz de nós duas esquecermos
o passado...