sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Mulher criança



" A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou, mas hoje vendo que o que sou é nada, Quero ir buscar quem fui onde ficou."
                                                                                                  ( Fernando Pessoa)

A vida não tem retrocesso, ela não está mais lá, ela é tua sombra e tu chegaste a cidade grande sem dinheiro e estudo, a rua foi o teu lar. Arrependeste? Volte...Ainda há tempo.
Não queres voltar derrotada para o teu rincão, irás te atolar num mar de lama para sobreviver.Andas pelas ruas imunda. Não houve jeito foi morar na Zona, deixando tua família e a criança a chorar na estrada. Foste tu, agora és o resto do mundo que na rua nem os cachorros chegam perto. De dia nas ruas, à noite na Zona. Até quando mulher irás aguentar? 
O tempo foi passando nesta vida sofrida os sucos começaram aparecer em teu rosto, ninguém a queria mais, então, a cafetina arrumou-lhe um emprego com registro em carteira: lavava, passava e ajudava na cozinha, assim como ela foi a criança que chorou na estrada, agora é jogada  fora dos bailes e das urgias, envelhecia rapidamente.
Como todo mundo tem um anjo ela também tinha: a cafetina, com dó deu a ela um emprego e até gostava muito dela. Tinha teu quartinho limpinho, roupas normais, só nunca mais apareceu no salão.
Um dia ela resolveu voltar pra casa, teu pai já morto e tua mãe muito velha. A cafetina acertou as contas e ela foi pegar o trem, teus pensamentos revoltos nem havia percebido que tinha chegado. Desceu e, caminhando deste uma parada na estrada, choraste copiosamente pois foste ali na estrada que deixaste tua inocência para vencer na cidade grande, mas não deu certo...
Chegaste a casinha da tua mãe, ela chorou de felicidade e triste ficaste por teu pai ter ido pro céu e ela não estava para despedir dele. Tua mãe estranhou e disse: filha envelheceste muito! É a vida mãe.
Foste trabalhar na casa da fazenda, ninguém sabia da tua vida na capital e, às vezes tem saudades da criança que chorou na estrada.

4 comentários:

  1. Umas saudades bem compreensivas!
    Gosto!
    Espreite quando puder pois vai gostar:
    https://mgpl1957.blogspot.pt/2017/01/biblioteca-municipal-de-miranda-do-corvo.html

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  2. Belo e sentido texto!

    Beijo. Bom fim de semana.

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  3. Nunca é tarde para arrepiar caminho.
    Um abraço e bom fim de semana

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